Corra que o fumante vem aí....
Costumava andar desatento pelas ruas. Utilizava minhas caminhadas para pensar em como melhor a frase de um texto ou resolver o impasse de uma narrativa. Mesmo assim nunca foi bobo. Sabia em que cidade estava, São Paulo. Mesmo assim fui bobo. Achei que o mulatinho, tão desbotado quanto sua roupa e seu boné, era apenas um moleque pobre e que, branco e estudante de uma universidade particular, com camiseta Ellus, calça Levi’s e sapatênis Adidas, não passava de um burguesinho preconceituoso. Após atravessar a rua com o instinto de sobrevivência, caminhei pela calçada com a cultura da culpa. E tive de ouvir – num português menos correto:
“Por que você atravessou a rua? Tá achando que eu vou te assaltar?”
Burguesinho branquelo, acelerei o passo do meu Adidas.
“Hein, por que atravessou a rua? Por que está andando rápido?”
Burguesinho branquelo, olhei para a marquise e respondi para ele – num português mais correto:
“Atravessei a rua porque era este o meu caminho. Estou andando rápido porque estou com pressa.”
“Anda devagar, por que a pressa? Tá achando que eu vou te assaltar, moleque?”
Com os olhos na marquise, sem vê-la, ouvi a mesma pergunta mais duas vezes. E respondi como se responde um burguesinho branquelo, sem ascendência africana e escrava:
“Estou andando rápido porque estou com pressa! Não estou achando nada de você! Pegue seu caminho, que eu pego o meu!”
E acelerei meu Adidas (burguesinho branquelo, não tinha preocupações com a sola).
Mas ele também acelerou o passo. Não me importei. A sobrevivência deu lugar ao desafio. Um menino desses não vai desviar meu caminho. E não desviou. Mesmo arranhando minha barriga com uma faca de cozinha e pressionando o meu pescoço com a mesma. A faca, diga-se de passagem, subiu da barriga pro pescoço por um motivo muito simples: perguntado sobre meus pertences, indisposto a lhe dar um centavo, disse que tinha cigarro no bolso. E ouvi, num português cheio de cracks emitido por uma língua mole:
“Que cê tá achando que sou, mano, pra me oferecer cigarro?”
Era final de outubro de 2008. Ainda não havia uma lei que me nivelasse a ele. E, por isso, respondi:
“Nada, se eu fumo por que você não pode fumar?”
Assim como para o governador José Serra, para o mulatinho desbotado, o cigarro era algo inaceitável. Pela sugestão, fui castigado com uma faca afundando no meu pescoço, seguida de ameaças de morte. Durante quinze minutos. Ao fim de tudo, não havia um policial na rua. Uma blitz. Alguém me pudesse encaminhar a uma delegacia. Houve uma mulher que passou na minha frente, quando eu estava sentado numa viela, abrindo minha mochila, entregando-lhe meus pertences, com a faca no limite tênue entre a minha vida e apenas uma maneira de ele prover seu vício.
Quase um ano se passou desde aquele evento. Hoje, tremo levemente e olho para os lados quando acendo um cigarro na rua. Ando com pressa, meu Adidas tem menos sola. Mesmo assim, tomo cuidado, não posso esbarrar em ninguém, com um cigarro na mão. Não. As pessoas podem se assustar, como eu, em outubro de 2008. E estarão certas, como eu estava, em outubro de 2008. Mas estarão amparadas, ao contrário de mim, em outubro de 2008. Poderão me delatar para a polícia. Encontrarão um mutirão para me levar à polícia. Poderão, inclusive, se juntar ao mulatinho desbotado, na luta, no assassinato de branquelinhos burguesinhos como eu. Isso se ele já não estiver morto. É um viciado. Assim como eu.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
É proibido fumar - by Monica Waldvogel
[texto apresentado no programa "Entre Aspas" no dia 30/07]
Na semana que vem os fumantes de São Paulo finalmente vão entrar na linha. Vai ficar proibido fumar no bar, no cabeleireiro, no salão de festas do prédio. Os fumódromos serão extintos. A punição para a desobediência é multa pesada. Mas quem vai pagá-la será o síndico, o dono do estabelecimento. Alguém vai ter que ser responsável pelo controle das baforadas dos outros. Fácil adivinhar que vai dar confusão. Mesmo assim, os combatentes do tabaco comemoram. Esperam que a lei paulista, como outras, logo vire brasileira. Exaltam a vitória e a virtude do politicamente correto. Há, porém, quem lamente tanto controle sobre a vida e as escolhas de cada um. Há os que receiam viver num mundo tão cheio de normas e regras; de proibições ou que todas as pessoas vivam no mesmo credo na saúde e na boa-forma, como se essa fosse a única vida possível. Um mundo que levanta fachadas morais bem chamativas para disfarçar todo o caos por trás. Afinal, até o pouco transgressor Roberto Carlos, numa canção antiga, já perguntava:
“Será que tudo o que gosto é ilegal, imoral ou engorda?”
Na semana que vem os fumantes de São Paulo finalmente vão entrar na linha. Vai ficar proibido fumar no bar, no cabeleireiro, no salão de festas do prédio. Os fumódromos serão extintos. A punição para a desobediência é multa pesada. Mas quem vai pagá-la será o síndico, o dono do estabelecimento. Alguém vai ter que ser responsável pelo controle das baforadas dos outros. Fácil adivinhar que vai dar confusão. Mesmo assim, os combatentes do tabaco comemoram. Esperam que a lei paulista, como outras, logo vire brasileira. Exaltam a vitória e a virtude do politicamente correto. Há, porém, quem lamente tanto controle sobre a vida e as escolhas de cada um. Há os que receiam viver num mundo tão cheio de normas e regras; de proibições ou que todas as pessoas vivam no mesmo credo na saúde e na boa-forma, como se essa fosse a única vida possível. Um mundo que levanta fachadas morais bem chamativas para disfarçar todo o caos por trás. Afinal, até o pouco transgressor Roberto Carlos, numa canção antiga, já perguntava:
“Será que tudo o que gosto é ilegal, imoral ou engorda?”
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
É proibido fumar - by Carol Rosa
- Com licença, você poderia acender o cigarro?
- Pois não?
- Você poderia fazer a gentileza de acender o cigarro? Essa falta de fumaça no ambiente está me incomodando.
- Mas eu não quero acender o cigarro. Eu tenho o direito de não fumar.
- E eu tenho o direito de não que conviver com a sua falta de hábito.
- Que absurdo! Não existe nenhuma lei que me obrigue a acender o cigarro.
- E só por causa disso eu vou ter que sofrer os efeitos colaterais do seu não-fumo?
- E que efeitos são esses?
- Preconceito. Querida, não sei se você sabe, mas preconceito mata.
- Não vejo como o meu preconceito possa fazer tão mal a você.
- Só o seu não, mas o seu, o dela, o dele, o dele ali...
- E você prefere morrer de câncer no pulmão a morrer de preconceito?
- Mas é claro. Preconceito causa muito mais sofrimento. Primeiro acaba com o lado social do meu corpo, depois corrói a minha auto-estima e por fim causa automutilação. É esse o fim horrível que você quer?
- Não, mas ninguém aqui está com preconceito comigo.
- Mas comigo sim.
- Isso é problema seu.
- Ah, então você não quer acender o seu cigarro, EU sofro os efeitos colaterais disso e o problema é meu?
- Exatamente.
- É, tem gente que simplesmente não sabe viver em sociedade.
[http://meusmiolos.blogspot.com/]
- Pois não?
- Você poderia fazer a gentileza de acender o cigarro? Essa falta de fumaça no ambiente está me incomodando.
- Mas eu não quero acender o cigarro. Eu tenho o direito de não fumar.
- E eu tenho o direito de não que conviver com a sua falta de hábito.
- Que absurdo! Não existe nenhuma lei que me obrigue a acender o cigarro.
- E só por causa disso eu vou ter que sofrer os efeitos colaterais do seu não-fumo?
- E que efeitos são esses?
- Preconceito. Querida, não sei se você sabe, mas preconceito mata.
- Não vejo como o meu preconceito possa fazer tão mal a você.
- Só o seu não, mas o seu, o dela, o dele, o dele ali...
- E você prefere morrer de câncer no pulmão a morrer de preconceito?
- Mas é claro. Preconceito causa muito mais sofrimento. Primeiro acaba com o lado social do meu corpo, depois corrói a minha auto-estima e por fim causa automutilação. É esse o fim horrível que você quer?
- Não, mas ninguém aqui está com preconceito comigo.
- Mas comigo sim.
- Isso é problema seu.
- Ah, então você não quer acender o seu cigarro, EU sofro os efeitos colaterais disso e o problema é meu?
- Exatamente.
- É, tem gente que simplesmente não sabe viver em sociedade.
[http://meusmiolos.blogspot.com/]
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Lobotomia nacional
A Fani alguma-coisa, ex-BBB, lançou há dez dias um livro de memórias (sim, Zélia Gattai se revirou no túmulo). Da entrevista dela na Veja, um tanto vexada, tirei:
"Estar nua na capa tem uma subjetividade filosófica... mas em princípio é uma obra literária."
Ah Brasil, meu Brasil brasileiro, terra achavascada.
No dia 03, dois autores ganharam o Prêmio São Paulo de Literatura, mas isso não saiu na Veja.
No dia 04, foram lançados os livros do Santiago Nazarian, Ivana Arruda Leite e Rodrigo Lacerda, mas isso também não saiu na Veja.
E mais mil coisas interessantes aconteceram durante a semana, mas ...
Prá que falar nisso, não é?
O povo não gosta, isso não chama a atenção, não vende revista.
E não importa se o "não gostar poval" seja simplesmente por não saber. Não ter acesso. Não conhecer. Afinal, a realidade é essa: os maiores veículos da mídia, os formadores de opinião, os porretas!, não estão preocupados com a cultura. Preferem ceder espaço para que - ao som de "cada um no seu quadrado" e "Tô ficando atoladinha" - celebridades instantâneas e acéfalas digam à que vieram.
Ah, repito, trepito, quadrepito: estou velha prá isso. Velha e cansada.
PS: Se na próxima edição da Bravo eu der de cara com esse "livro" na página de indicações, juro! Vou seguir a máxima "Já que não pode vencê-los, junte-se a eles": Faço uma lobotomia.
"Estar nua na capa tem uma subjetividade filosófica... mas em princípio é uma obra literária."
Ah Brasil, meu Brasil brasileiro, terra achavascada.
No dia 03, dois autores ganharam o Prêmio São Paulo de Literatura, mas isso não saiu na Veja.
No dia 04, foram lançados os livros do Santiago Nazarian, Ivana Arruda Leite e Rodrigo Lacerda, mas isso também não saiu na Veja.
E mais mil coisas interessantes aconteceram durante a semana, mas ...
Prá que falar nisso, não é?
O povo não gosta, isso não chama a atenção, não vende revista.
E não importa se o "não gostar poval" seja simplesmente por não saber. Não ter acesso. Não conhecer. Afinal, a realidade é essa: os maiores veículos da mídia, os formadores de opinião, os porretas!, não estão preocupados com a cultura. Preferem ceder espaço para que - ao som de "cada um no seu quadrado" e "Tô ficando atoladinha" - celebridades instantâneas e acéfalas digam à que vieram.
Ah, repito, trepito, quadrepito: estou velha prá isso. Velha e cansada.
PS: Se na próxima edição da Bravo eu der de cara com esse "livro" na página de indicações, juro! Vou seguir a máxima "Já que não pode vencê-los, junte-se a eles": Faço uma lobotomia.
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
É proibido fumar - by Marcelino Freire
É PROIBIDO FUMAR
No bar. Onde acontecerá a próxima chacina. É proibido fumar. No boteco da BR onde a criança dança. Nua. É proibido fumar. No muquivo de Dona Pretinha. Nenhuma cinza. Nadinha. É proibido fumar. Dentro da barraca de cachorro quente. Junto a carne de gato. É proibido fumar. Dentro do banheiro da boite. Entre uma boquete. E outra boquete. É proibido. Na emergência do HR. Entre mortos e feridos. É proibido fumar. No pé-sujo. Da esquina da favela. É proibido. Apagar bitucas no cativeiro. Na bunda da vítima. No salão de festa. Quando o salão for tomado. De assalto. É proibido fumar. Na pista de funk. Na casa lotada. Que desabará. Na Freguesia. É proibido fumar. Para o ar não ficar pesado. O povo sem fôlego. Respirar. É proibido fumar.
[http://eraodito.blogspot.com/]
No bar. Onde acontecerá a próxima chacina. É proibido fumar. No boteco da BR onde a criança dança. Nua. É proibido fumar. No muquivo de Dona Pretinha. Nenhuma cinza. Nadinha. É proibido fumar. Dentro da barraca de cachorro quente. Junto a carne de gato. É proibido fumar. Dentro do banheiro da boite. Entre uma boquete. E outra boquete. É proibido. Na emergência do HR. Entre mortos e feridos. É proibido fumar. No pé-sujo. Da esquina da favela. É proibido. Apagar bitucas no cativeiro. Na bunda da vítima. No salão de festa. Quando o salão for tomado. De assalto. É proibido fumar. Na pista de funk. Na casa lotada. Que desabará. Na Freguesia. É proibido fumar. Para o ar não ficar pesado. O povo sem fôlego. Respirar. É proibido fumar.
[http://eraodito.blogspot.com/]
É proibido fumar - by Dan Thomaz
Sou fumante, aquele tipo de ser tão nocivo à sociedade quanto um usuário de crack, que rouba e mata para manter seu vício. Também mato. Uma tragada da pior droga de todas, o cigarro, meu vício, mata mais que toda a frota de carros em São Paulo. Sim, sou assassino. Um psicopata. Mato pelo meu prazer. E, sádico que sou, mereço o seu rancor, sua delação, sua mordaça em minha boca, seguida de chicotadas cujo estalar ecoa por todo o estado de São Paulo, mais alto que minha agonia, meu grito de dor.
É proibido fumar - by Rê Piacente
domingo, 2 de agosto de 2009
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